A fé na estrada

A cada viagem me impressiono mais e mais com o cuidado que o homem tem em preservar as belezas deste mundão dos deuses. Encantador ver tanta gente percorrendo trilhas e estradas para admirar vales, rios, cascatas, contemplar o que há de intocado entre terra e céu. Numa viagem até Santa Catarina encontramos um lugarzinho que traduz muito bem essa devoção.

Urubici é um município jovem, faz 60 este ano. Fica na serra de Santa Catarina e por causa dessa localização tem uma coleção de picos, morros, formações rochosas únicas, cachoeiras… os pontos que o turista é convidado a visitar. Tá ai o lead da redação: o quem, o quando, o onde e o como. Falta o por quê.

Fomos a Urubici (“pássaro brilhante” em idioma indígena, segundo a tradição local) porque queríamos viver o frio, quiçá ver neve. E a serra catarinense é o lugar mais frio do Brasil. E fomos, sim, atraídos pela promessa de aventuras bacanas, comida boa, e a lareira no quarto da pousada.

Na volta Serra do Corvo Branco, um dos cartões postais da região, decidimos parar na Gruta Nossa Senhora de Lourdes. Fica numa quebrada da SC 370. Era fim de tarde e a temperatura caia junto com a luz do Sol.

A Gruta é um templo a céu aberto. A imagem da Santa esta lá acima, no alto da escadaria, cercada por paredões rochosos, pela Mata Atlântica e atrás de uma queda d’água.

Incrustadas no paredão, prateleiras abrigam a fé – lembranças de graças alcançadas.

A Igreja Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens, edificação imensa em estilo gótico no centro da cidade, acabou saindo do nosso roteiro – com todo respeito ao padre milagreiro que a construiu.

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Todos os templos deveriam ser assim.

Primavera em maio

Tava demorando para aparecer meme ligando protestos sobre a falta de mulheres no Ministério Temer à figura da primeira-dama interina. Hoje vi um. Sexista, sem surpresa alguma.
Olha… ela, a Marcela, tem a liberdade para ser o que quiser! Do lar-do bar-do mar. Aliás, do lar eu sou bem mais que ela, a Marcela. Duvi-de-o-dó que ela se ajoelhe para limpar o piso branco da cozinha como eu faço. Costuro em feltro bonequinhos do Minecraft para o enteado e Fridinhas para as amigas. Sou de humanas, miçangueira. Guria prendada, adoro cozinhar para o namorado. De vez em quando até roupa passo, o que é totalmente contra meus princípios. Faço parte da imensa legião de mulheres que cumprem jornada múltipla entre casa-estudo-trabalho e NÃO HÁ NADA DE ERRADO NISSO. Nada. Fui criada por uma mãe que depois de ficar anos “no lar” voltou para a sala de aula e me deu exemplo de protagonismo nas duas searas. Dispenso qualquer rótulo, não me considero feminista, não assino ficha com ninguém, assim como tiro todas as etiquetas das minhas roupas. Não me sinto na obrigação de me posicionar contra ou pró qualquer coisa. E não tenho paciência para textão. Mas hoje meu sapato de salto apertou.

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Guris, querem saber como é ser mulher? Temos que combater todo o dia desde o fiufiu discretinho sem testemunhas que te dói como uma paulada, ao uso de expressões como “abrir as pernas” ou ” grelo duro”, da pressão por gerar filhos ao “também né quem mandou usar saia curta” às campanhas publicitárias (de cerveja por exemplo) que nos pintam como seres entediantes, ciumentos, ou apensas gostosos. (E não há nada errado em ser gostosa. Nem bela. Mas é preciso sexualizar tudo?) Em alguns países mulher é arsenal de guerra. O estupro é arma. Para humilhar. Desmoralizar, enfraquecer corpo e espírito.
De um jeito ou outro somos a garota do atirador de facas, ali no centro do alvo. Incluindo a Marcela.
Guris, ser mulher é fogo. Sinceramente se eu fosse homem eu ficaria com vergonha ao saber o constrangimento que alguns de vocês nos provocam em muitas situações. Minha bandeira é um movimento inclusivo que convide homens e meninos de todas as idades a entender isso tudo, a exemplo da campanha ‪#‎HeforShe‬ ou ‪#‎ElesporElas‬ da ONU Mulheres. Por isso os convido a calçar meu salto 15 por um momento.
Tenho ótimos amigos, ótimos colegas de trabalho do sexo masculino. Estou nessa cachaça que é o jornalismo há mais de 20 anos, convivo com equipes majoritariamente masculinas e sempre fui respeitada e celebrada pela minha capacidade; grandes colegas meninos me ajudam a crescer profissionalmente. E essa mistura – pois somos diferentes e viva as diferenças – dá um samba bom.
Não sei nomear todas as ministras que passaram pelos governos Dilma, Lula ou FHC – ou Collor até! Mas, pôxa, estávamos lá! Lembra que há alguns meses celebrávamos a Primavera das Mulheres? Pois ela tem que continuar.
A ausência de mulheres no governo Temer é cheia de simbolismos e deveria causar estranheza pela falta de sintonia com nossos tempos. E isso não é mimimi de feminista. É só lembrar que isso não ocorria desde Geisel, como vem sendo noticiado. Sobretudo depois da retirada da nossa primeira presidente. Vem na esteira da reportagem sobre a “bela-recatada-do lar”, que veio na esteira da reportagem que mostrava a presidente afastada como uma mulher descontrolada. Parece que diz “saiam dos holofotes, gurias!”. Hoje no O Globo a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman (para ecoar apenas uma das vozes que se manifestam contra essa atitude), disse bem dito que “a democracia somente se realiza com a plena participação das mulheres em espaços de liderança e de tomada de decisões”. Se o presidente interino chegou a cogitar convidar algumas mulheres para essa empreitada, poderia ter se empenhado mais, feito disso prioridade. Tenho certeza que ele tem exemplos lindos de mulheres protagonistas que ele admira e com quem aprendeu um ou dois macetes sobre política. Ou, no mínimo, deve estar ciente que formamos 52% do eleitorado do Brasil (dados do TSE). Ou que somos responsáveis por mais de 60% das decisões de compra nos lares brasileiros. (E se decidirmos votar com a carteira? Aí não tem Meirelles que segure a onda…) Não somos apenas coadjuvantes, e isso há tempos.
Mas o que consola é que a imagem da exclusão incomodou sim. E nesse retrato do retrocesso, essa percepção é um avanço.
13 de maio, século vinte e um.
Quem diria, na terra de Maria todo o dia é dia de brigar por alguma alforria.
Pronto, gurias. Falei.

As Minas do Camaquã

Tá vendo aquela cruz? Vamos subir até lá.

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O Capricórnio que vive em mim com frequência cansa da cidade e me pede mato. Quer escalar um cerro ou morro. Meu pulmão asmático quer um ar cheirando a verde e de sabor gelado. O coração quer sentir um quê de medo diante do desconhecido e a alegria de experimentar algo novo.

Foi com essa lista de intenções na mochila que partimos para visitar as Minas do Camaquã. Fica no município de Caçapava do Sul, distante 320 km de Porto Alegre, incluindo uns últimos 30 km de chão batido. Eu, co-piloto, vinha de olho no caminho (em muito boas condições). E o Gringo insistia: “Da estrada cuido eu, olha para os lados. Vai procurando pelas Guaritas”.

As Guaritas são um conjunto de formações rochosas trabalhadas pela ação de ventos, chuvas e pelo curso de rios. Essa é a descrição de enciclopédia… Pois a paisagem que apareceu na janela não cabia nos olhos e não pode ser medida com palavras. Diz o Gringo que elas mudam de cor de acordo com a incidência do Sol. As conheci num tom rosado, numa tarde ensolarada, mas a única fotinho das Guaritas que eu bati foi num dia chuvoso…

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Não faz jus à beleza do local que está entre as Sete Maravilhas do Rio Grande do Sul (título dado pela Secretaria de Turismo).

Achei muito semelhante às formações que vi no Grand Canyon, no Arizona (EUA), que foi esculpido pela erosão do Rio Colorado.

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O Capricórnio em mim gosta mesmo de uma montanha… Chegando às Minas do Camaquã avistamos o Morro da Cruz. Dá para subir? Dá! Esse é o ponto de referência do vilarejo que um dia abrigou trabalhadores de uma mina de cobre, hoje desativada. A cruz foi colocada lá pelo empresário Baby Pignatari, ex-proprietário nas minas, para que ele identificasse a região quando se aproximava a bordo do seu avião particular.

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Ao pé do morro fica a Barragem João Dias, uma área de preservação ambiental. Para entrar é preciso retirar autorização com o pessoal da Minas Outdoor Sports, empresa que oferece uma série de atividades de ecoturismo e aventura. Do topo do Morro da Cruz, a 140 metros de altura, parte a “mega tirolesa” que tem mais de um km de extensão!

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Prefiro a tirolesa do Parque Moinhos de Vento, apesar da discriminação contra maiores de 12 anos…

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E depois da escalada, pausa para contemplar esta paisagem com cheiro verde e sabor gelado, bem como eu queria – e precisava.

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A subida do Morro da Cruz é livre, mas não é “para os fracos”. É uma caminhada de dificuldade média por um paredão bem íngreme. Uma corda na metade do trajeto dá apoio para passar por um pedregulho escorregadio.

IMG_20150502_130303951_HDRNo centro do vilarejo tem uma praça que abriga monumentos aos mineiros e o Cine Rodeio. Quem viveu os tempos áureos da mineração na região, lá pelos anos 70 a 80, conta que ali aconteciam festas e eventos grandiosos!

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Atualmente o Cine Rodeio está interditado – tomara que o restaurem e reabram logo… Para conhecer melhor essa história toda tem city tour que leva também às ruínas das minas (não fizemos por que o tempo emburrou).

Exploramos o local por conta própria, desbravando caminhos e transpondo obstáculos como num game da Lara Croft.

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Há muitas trilhas pela região e em algum momento sentimos a falta de um mapa que nos indicasse aonde ir. Se por um lado é bacana improvisar a aventura, acho que algumas oportunidades podem ser perdidas pela falta de orientação. Dilema parecido vivemos na nossa (inesquecível) viagem ao Itaimbezinho.

Uma dica de “onde comer” e “onde beber”: a lanchonete da Tia Lú. Lá tem pizza e massas de outro mundo e uma geladeira cheia da cerveja artesanal de Caçapava do Sul. (Parafraseando outros mineiros, os de BH, “aqui não tem mar mas tem bar”…)

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Como aperitivo e sobremesa somos servidos das histórias impagáveis de quem vive num local que às vezes não é tão pacato como se imagina um vilarejo no interior gaúcho…

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É que Caçapava do Sul é um polo de ufologia (como indica a imagem que roubartilhei na Internet). Em Minas do Camaquã dizem que há um portal que tráz visitantes de outros planetas, ou outras dimensões. Ouvimos alguns relatos instigantes de gente que teve algum contato imediato de algum grau com esses seres.

Agora, falando francamente… Ao olharmos para o céu estrelado numa noite de Lua (como a que vivemos nas Minas) é possível apostar que estejamos realmente sós por aqui? E esta paisagem que parece cenário de filme de ficção científica? E o metal minerado na região? Vai saber se ele é precioso não apenas para os terráqueos… Que me dizes, cosmonauta?

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I want to believe.

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Nos hospedamos na pousada do Minas Outdoor. Os quartos são bem aconchegantes e há uma boa área para convivência. Aproveitamos a varanda para fazer um dos nossos programas preferidos: jogar, rir, brincar.

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Tomamos conta do livro do Guigo, e levamos um xixi pela bagunça que fizemos no estojo dele, trocando lápis de cor e canetinhas de lugar. Tipo… foi mal…

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Viagem boa é aquela que te transforma, que rouba um pedaço de ti. Com os companheiros certos, viajar fortalece laços. Sempre digo que compartilhar descobertas e enfrentar juntos os perrengues da estrada é fundamental para um relacionamento.

Por isso essa pequena grande aventura me convenceu: sabe aquela história de “outra metade”? Parece cantada barata, expressão de rima fácil para canção boba… até encontrares a tua.

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No meu caso, uma outra metade mais um. 🙂

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Marrakesh, a cidade rosada

A impressão mais forte que fica de Marrakesh são suas cores. Casas e prédios, a grande maioria deles, são pintados com tons de rosa e ocre. Cores que remetem ao barro, usado como revestimento nas antigas construções. 

Guardado por paredes rosadas, o mercado Jemaa El Fna é um caleidoscópio. Por seus corredores e caminhos há um intenso vai-e-vem de moradores, vendedores, turistas, bicicletas e burricos… Em cada canto um souk, ou um “departamento” com o colorido do artesanato, dos tecidos, das especiarias.

E quando o Sol se põe… imprime poesia, letra e música, nessa cidade rosada. 

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Para mais sobre Marrocos, viaje neste texto: Shukran, Morocco. E também tem uma visita à encantadora Turquia em A Vista Embaçada.

Da importância de ser um número

Eram 11 horas da manhã. Era um dia qualquer, e como em qualquer dia eu caminhava de casa até a parada de ônibus, fazendo planos para o fim de semana com o Gringo pelo celular. Mal dobrei a esquina e nossa conversa foi interrompida.

“Não grita!” Ora, que coisa mais estúpida, que ordem mais impossível de obedecer quando tem uma faca encostada na tua barriga… É claro que eu gritei! E o grito chegou pelo telefone para o Gringo, que lá do outro lado do Estado nada podia fazer para me ajudar naquele momento.

Eu lembro bem da faca, daquelas forjadas em presídio, com uma lâmina de aço amarrada a um cabo de madeira. E lembro daqueles olhos raivosos e das palavras cuspidas –  “Não grita!”. Lembro do gurizão esguio, cor de cuia, reforçando da outra calçada: “Fica quieta!”. Eram dois e uma faca contra uma. Entreguei o celular e corri. Não podia voltar para casa – a uma quadra dali – porque foi nessa direção que os assaltantes fugiram. Apenas corri. Sem voz, fôlego ou rumo.

Tudo muito rápido. Ler esses parágrafos acima demorou mais que o assalto.

Naquela manhã virei um número: segundo dados da SSP divulgados pela ZH, no ano passado a cada duas horas uma pessoa tinha um telefone furtado ou roubado em Porto Alegre. Faça as contas: 12 por dia somariam 4380 por ano. Virei uma de 4380.

Só que o assalto foi apenas parte da história. “Tu sabes que não vai dar em nada, né?”

Eu nunca tinha sido assaltada na vida. Achei que devia registrar a ocorrência por que sim, por que era o caminho lógico: sofreste alguma violência, procura socorro junto a quem tem que zelar por tua segurança. Não é? Fui atendida por um oficial sem um pingo de sensibilidade. Talvez por que eu era apenas mais um número, apenas mais uma ex-dona de um celular impossível de ser recuperado, apenas mais um rosto soluçando. Chorei de raiva pela brutalidade do assalto, pela sensação de vulnerabilidade. “Quer fazer o registro para bloquear o aparelho?” Dane-se o telefone! Queria meu chão e minha liberdade de volta. “Era isso, moça?”

Foi em junho de 2014. Por que falar disso agora?

Escrevo em solidariedade à estudante que expôs no Facebook um estupro no Parque da Redenção em plena luz do dia. Óbvio que a violência que ela sofreu foi absurdamente maior que o “meu” assalto. A admiro por um relato que exige muita coragem. Quantas outras mulheres passam por violações semelhantes e se calam por que… “não vai dar em nada”? A frustração que vem da certeza da impunidade pode nos paralisar.

Escrevo por que percebi a importância de ser “apenas um número”. Numa entrevista à minha colega Vanessa da Rocha durante o TVCOM 20 Horas, o tenente-coronel Francisco Vieira, responsável pela segurança na Redenção, afirmou que é baseada no registro de ocorrências que a Brigada Militar planeja suas ações. E quem sabe, quiçá o volume de ocorrências alerte para a necessidade de reforçar o policiamento pelas ruas da capital?

Por isso meu “bravo!” a essa brava estudante e a grupos como o B.O. Coletivo e o Se Essa Rua Fosse Nossa. Temos que ser protagonistas de uma batalha contra o crime e a violência. Se acreditarmos no “não vai dar em nada”, se não houver denúncia de roubo, assalto, assédio, estupro, vão achar que vivemos num paraíso! A gente tem que se cuidar, uns dos outros.

Hoje eu sei que é possível registrar o B.O. pela Internet, teria me poupado de um constrangimento. Descobri que há vários recursos para bloquear e rastrear e até inutilizar o telefone. E aprendi o absurdo: que não posso usar o celular na rua.

A casca engrossou: fiquei mais vigilante, mais atenta. Portanto, desculpa moço que caminha em minha direção com a mão no bolso, vou desconfiar e desviar de ti. Não atendo telefone em espaços abertos. Não checo mensagens no ônibus. Demorou algumas semanas, mas voltei a fazer a pé o mesmo trajeto de casa até a parada – apesar de acabar lembrando do assalto toda vez que passo por aquela esquina.

A casca engrossou, mas me recuso a me abrigar numa redoma. Nunca vou deixar de descer a escadaria perfumada de goiabas da Couto de Magalhães. A rua não pode ser deles, a rua também é minha.

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#amídianãomostra – um rap

Tu me dizes #amídianãomostra

A mídia não ouve, não vê

Só fala o que bem entender

Isso dói como uma paulada

#chateada

Penso nos colegas nas redações

Que viram noite, varam madrugadas

Em busca de fatos e n opiniões

Ponto e contraponto

Verso e reverso e inverso

Imparcialidade

Para que tu decidas a tua verdade

Que não é absoluta – apenas mais uma versão

Mas… não.

#amídianãomostra

Contar histórias,

Ou como disse o Geneton,

“Criar memórias”

Essa é minha paixão.

Eu sei que meu rap é tosco

Não sou Vinícius, Jobim ou Bosco

Mas várias versões eu busco

O contrário seria

Preguiça errado injusto

Ctrl+c

Ctrl+v

Como ignorar o beat

Das ruas e das redes

E ficar no auto-repeat?

Como ignorar a sede

de participação?

Como não ecoar o “prosumer”

Que hoje mais produz que consome

Informação?

Entrevistamos grevista motorista patrão

goleiro vazado

artilheiro premiado

doméstica lojista vítima e até ladrão –

tanta gente que num verso cabe não.

Por quantas ruas andei

quanta saliva gastei

a quanto amor renunciei

de quanta pedra e bomba de gás escapei

por causa da notícia?

(Até parei na mão da polícia…)

Mas… não.

#amídianãomostra

é a tua aposta

#prontofalei

Mas, ei!

Eu tô nessa pauta!

Vai ver que quando mostrei

Tu estavas em outro canal

Lendo outro jornal

Pulando Gal num Carnaval (ah, não! “isso faz mal!”)

Ou assistindo a um thriller policial

Pior cego é o que não quer ler

Pior surdo é o que não quer escutar

Me dizes #amídianãomostra

Soa tão “ontem”, tão infeliz

Pena que tu insistas

Em achar

Que eu, jornalista

Só vi a banda passar –

E nada fiz.

ativismo

Em Los Angeles, mostrando as manifestações contra as guerras do governo Bush

50 Tons de Tudo

Por que a vida é technicolor.

Por que para “colocar o preto no branco”, para esclarecer alguma pendenga, para entender o outro, é preciso enxergar as nuances da aquarela.

Só que entramos no ringue cheios de “pré-conceitos”. Mesmo que seja para discutir questões que não merecem apenas uma resposta monossilábica. Não. Sim.

Quando se discute pena de morte, por exemplo, lembro do que ensina a Anistia Internacional: a existência da pena de morte não dissuade o criminoso, pois ele ou age passionalmente (sem calcular riscos e consequências) ou pensa estar cometendo o crime perfeito (portanto, na cabeça dele, sem a mínima possibilidade de ser pego). Ao Estado não caberia matar. Sobretudo quando mundo afora há governos que matam prisioneiros políticos, de consciência, ativistas. Mas como julgar um pai que decida acabar com o sequestrador da filha?

Ainda sobre vida e morte, será que existe alguém que seja absoluta e simplesmente “a favor” de um aborto? Se não fosse pela dúvida e pelo medo, quem optaria por um caminho que parece tão solitário? Dia desses vi na TV o agora ex-presidente Mujica analisando a legalização do aborto no Uruguay. Disse que o sistema criado no governo dele ampara a mulher de tal maneira que tem conseguido salvar vidas – de mães e bebês. Mas o assunto é tabu ainda, daqueles bordados de pré-julgamentos.

E tocando em outro tema polêmico, por que fazer questão de lembrar que o canabidiol, terapia salvadora para tanta gente, é substância “derivada da ma-co-nha”? E que bonito praguejar conta a regulamentação da maconha acendendo um cigarro. E bebericando um “on the rocks”. Né?

E o Bolsa Família, lembra dele? Fácil criticar um programa que tem a premissa de colocar criança na escola e comida na mesa enquanto diriges teu carro zero. Comprado com IPI reduzido, a propósito.

Ah… Nós e nossa mania de reduzir as questões. “A favor” ou “contra” é para decidir se vamos jantar fora numa noite chuvosa. “Não” ou “sim” é resposta para coisa tipo “queres dar um mergulho?”.

No entanto, esse acesso a tanta informação via Internet nos transforma em doutores de causas alheias. É uma enxurrada de dados e ditos cuja data e fonte não verificamos e nas quais acreditamos piamente. Somos especialistas em tudo que não nos tire da nossa zona de conforto.

Óbvio que todo o debate é saudável e imprescindível. Mas a rapidez com que formamos conceitos e argumentos que caberiam num tweet me impressiona. Parece que ficamos ansiosos por compartilhar um veredito sobre questão qualquer: “comento, logo existo”. Tipo assim. Apontamos o dedo com a mesma força com que castigamos o teclado do computador. Afinal, estamos protegidos, aqui atrás da tela.

Essa é apenas a minha opinião.

Agora ao tema pop da hora.

Não li 50 Tons de Cinza. Não sei se Nelson Rodrigues é mais porrada. Não estou empolgada para ver o filme.

Mas hay quem goste. Assim como há quem vá para as ruas protestar contra o filme, o livro, e contra quem devora os dois.

Carnaval é sinônimo de apatia? Torcer pelo meu time de futebol me torna “manipulável”? Ser fã do Comendador me emburrece? Mais leveza onde couber, por favor!

Opiniões, gostos, preferências, atitudes nos fazem únicos. Não donos de uma verdade absoluta. Verdade absoluta que não existe. O que há são várias versões dela. E vários tons.

É o que eu acho…

O que anda escassa nesse mundão é a capacidade de se imaginar calçando o sapato alheio. Se enxergar no mesmo aperto. Um tiquinho de tolerância. Ou alguém aí é absolutamente imune a sofrer por alguma desgraça, discórdia, desespero?

Disso eu tenho convicção.

Carta de Intenções para um veraneio sem fim de 15 dias

Quero escutar somente reggae. Sempre tive inveja de surfista que vive de mar, e mar e praia combinam com reggae, por isso sempre resisti ao reggae. Pois nestes dias, decreto, que não toque outro ritmo nesta casa! Apenas reggae.

Reggae e o som das ondas, que atravessa duas quadras e meia até chegar na minha janela. Venha som das ondas, junte-se ao vocal do Bob Marley e desacelere a batida do meu coração! Tudo que quero escutar é reggae, ondas, e o coro dos sapos, que cantam nos bueiros a uma quadra daqui.

Aliás, se eu entendesse de música, comporia um reggae com os sons da praia: o apito do salva-vidas, as matracas e cornetas dos vendedores ambulantes, o plac-plac do jogo do frescobol, o canto das gaivotas.

Qualquer compromisso com a razão está adiado. Farei apenas o que a vontade mandar, se o corpo permitir, em acordo com a chuva e o Sol.

Ah, o Sol… Quero madrugar: às seis e meia estarei acordada. (Isso se o corpo deixar, pois o despertador será amordaçado nestes dias.) Madrugar não para pegar o Vila Jardim 430 rumo ao centro de Porto Alegre (hein?), mas para ver o Sol nascer como um Cebion num mergulho em reverse do azul do Oceano Atlântico para o azul do céu. Serei uma das poucas que acordaram para estar ali, porque para tantos outros o espetáculo do Sol nascente é a dose saideira da noite. Been there, done that. Meu longo dia de verão começa agora.

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Quando eu espiar na mala, que a minha maior dúvida seja se calço a chinelinha preta, a dourada, ou a preta com dourado. Aliás, sempre que possível andarei descalça.

Quando eu pisar na praia,  que o mar me derrube num abraço como quem revê a velha amiga depois de um longo tempo. Tu vês, eu e o mar temos um relacionamento de longa data… Fui feita no Rio de Janeiro, aprendi a engatinhar nas areias escaldantes de Copacabana. Amo o mar.

No metro e meio quadrado que tomarei como meu paraíso particular, vou me besuntar de bronzeador com fps negativo e me estender na canga bordada de areia. E virar croquete. Quero fechar os olhos e escutar o vento coçando o mar, causando aqueles arrepios no mar que a gente conhece como ondas.

Ah, as ondas… Quero apostar corridas até a água. Pularei sete ondas, e mais sete. E a cada mergulho afogarei raivas, resignações, energias ruins e ganharei poderes de Mulher Maravilha. Quero pegar jacarés do jeito que o pai me ensinou na minha infância carioca. Muitos! Ficarei com os joelhos e a barriga esfolados! E a cada jacaré terei a certeza de que aquela foi “a melhor de todas as ondas da minha vida”. Quero sentir o repuxo do mar num buraco onde não dou pé, quero que me falte fôlego, para depois ter a sensação de que me salvei. Quero sentir a queimadura de mãe d’água, para nunca mais ter que temê-la.

Quero salgar a alma, os ossos, os lábios, a pele.

Quero um cabelo impossível de desembaraçar, um quase-dreadlock.

Quero tirar fotografias mal-enquadradas, sem foco e sem filtro.

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Vou construir castelos de areia que uma onda atrevida ou uma criança alegre irão destruir. Vou catar conchinhas que dificilmente se transformarão em alguma imaginada peça de artesanato, assim como os palitos de paletas e picolés que virão para casa aos baldes.

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Quero milho cozido temperado com margarina, sal e grãos de areia. E jogar baralho e conversa fora e fazer do pessoal do guarda-Sol ao lado amigos eternos cujo nome ou rosto não lembrarei no momento em que sair da praia.

Notícias? Só quero saber de Macondo. Quero um affair de verão com Gabo. Quero sofrer do mal do esquecimento, que atingiu Macondo depois da praga da insônia, e só lembrar, talvez, do que não tem importância. (Aliás, nem lembro se o prefixo da linha Vila Jardim é 430, 433 ou 431.) Depois de me atualizar sobre as andanças de Arcádios e Aurelianos, vou “me enroscar como um gato no calor da tua axila”, como Gabo ensina, pois é hora da siesta, o que deveria ser lei em todas as estações, em todo o Universo.

Vou caminhar de mãos dadas pela praia no fim do dia e me encantar com a pescaria dos pássaros, que mais parece um tango bailado com as ondas.

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Vou admirar a absurda beleza da areia molhada espelhando aquele Gre-Nal que é o céu azul e avermelhado do anoitecer. Vou tentar fugir do mar… e deixar que ele me abrace mais uma vez. Mais um mergulho. E mais conchinhas. Vou resgatar algum peixe asfixiado pelo ar aqui de fora.

Quero achar que a vida pode ser mesmo um quase-milagre.

Farei uma prece para Jah, Iemanjá, Deus, Alá, Pachamama. Vou escutar reggae. Meu coração vai… de-sa-ce-le-rar.

Viverei quinze dias “de Itapuã”. Sem ontem, nem amanhã.

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