As Minas do Camaquã

Tá vendo aquela cruz? Vamos subir até lá.

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O Capricórnio que vive em mim com frequência cansa da cidade e me pede mato. Quer escalar um cerro ou morro. Meu pulmão asmático quer um ar cheirando a verde e de sabor gelado. O coração quer sentir um quê de medo diante do desconhecido e a alegria de experimentar algo novo.

Foi com essa lista de intenções na mochila que partimos para visitar as Minas do Camaquã. Fica no município de Caçapava do Sul, distante 320 km de Porto Alegre, incluindo uns últimos 30 km de chão batido. Eu, co-piloto, vinha de olho no caminho (em muito boas condições). E o Gringo insistia: “Da estrada cuido eu, olha para os lados. Vai procurando pelas Guaritas”.

As Guaritas são um conjunto de formações rochosas trabalhadas pela ação de ventos, chuvas e pelo curso de rios. Essa é a descrição de enciclopédia… Pois a paisagem que apareceu na janela não cabia nos olhos e não pode ser medida com palavras. Diz o Gringo que elas mudam de cor de acordo com a incidência do Sol. As conheci num tom rosado, numa tarde ensolarada, mas a única fotinho das Guaritas que eu bati foi num dia chuvoso…

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Não faz jus à beleza do local que está entre as Sete Maravilhas do Rio Grande do Sul (título dado pela Secretaria de Turismo).

Achei muito semelhante às formações que vi no Grand Canyon, no Arizona (EUA), que foi esculpido pela erosão do Rio Colorado.

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O Capricórnio em mim gosta mesmo de uma montanha… Chegando às Minas do Camaquã avistamos o Morro da Cruz. Dá para subir? Dá! Esse é o ponto de referência do vilarejo que um dia abrigou trabalhadores de uma mina de cobre, hoje desativada. A cruz foi colocada lá pelo empresário Baby Pignatari, ex-proprietário nas minas, para que ele identificasse a região quando se aproximava a bordo do seu avião particular.

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Ao pé do morro fica a Barragem João Dias, uma área de preservação ambiental. Para entrar é preciso retirar autorização com o pessoal da Minas Outdoor Sports, empresa que oferece uma série de atividades de ecoturismo e aventura. Do topo do Morro da Cruz, a 140 metros de altura, parte a “mega tirolesa” que tem mais de um km de extensão!

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Prefiro a tirolesa do Parque Moinhos de Vento, apesar da discriminação contra maiores de 12 anos…

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E depois da escalada, pausa para contemplar esta paisagem com cheiro verde e sabor gelado, bem como eu queria – e precisava.

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A subida do Morro da Cruz é livre, mas não é “para os fracos”. É uma caminhada de dificuldade média por um paredão bem íngreme. Uma corda na metade do trajeto dá apoio para passar por um pedregulho escorregadio.

IMG_20150502_130303951_HDRNo centro do vilarejo tem uma praça que abriga monumentos aos mineiros e o Cine Rodeio. Quem viveu os tempos áureos da mineração na região, lá pelos anos 70 a 80, conta que ali aconteciam festas e eventos grandiosos!

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Atualmente o Cine Rodeio está interditado – tomara que o restaurem e reabram logo… Para conhecer melhor essa história toda tem city tour que leva também às ruínas das minas (não fizemos por que o tempo emburrou).

Exploramos o local por conta própria, desbravando caminhos e transpondo obstáculos como num game da Lara Croft.

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Há muitas trilhas pela região e em algum momento sentimos a falta de um mapa que nos indicasse aonde ir. Se por um lado é bacana improvisar a aventura, acho que algumas oportunidades podem ser perdidas pela falta de orientação. Dilema parecido vivemos na nossa (inesquecível) viagem ao Itaimbezinho.

Uma dica de “onde comer” e “onde beber”: a lanchonete da Tia Lú. Lá tem pizza e massas de outro mundo e uma geladeira cheia da cerveja artesanal de Caçapava do Sul. (Parafraseando outros mineiros, os de BH, “aqui não tem mar mas tem bar”…)

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Como aperitivo e sobremesa somos servidos das histórias impagáveis de quem vive num local que às vezes não é tão pacato como se imagina um vilarejo no interior gaúcho…

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É que Caçapava do Sul é um polo de ufologia (como indica a imagem que roubartilhei na Internet). Em Minas do Camaquã dizem que há um portal que tráz visitantes de outros planetas, ou outras dimensões. Ouvimos alguns relatos instigantes de gente que teve algum contato imediato de algum grau com esses seres.

Agora, falando francamente… Ao olharmos para o céu estrelado numa noite de Lua (como a que vivemos nas Minas) é possível apostar que estejamos realmente sós por aqui? E esta paisagem que parece cenário de filme de ficção científica? E o metal minerado na região? Vai saber se ele é precioso não apenas para os terráqueos… Que me dizes, cosmonauta?

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I want to believe.

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Nos hospedamos na pousada do Minas Outdoor. Os quartos são bem aconchegantes e há uma boa área para convivência. Aproveitamos a varanda para fazer um dos nossos programas preferidos: jogar, rir, brincar.

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Tomamos conta do livro do Guigo, e levamos um xixi pela bagunça que fizemos no estojo dele, trocando lápis de cor e canetinhas de lugar. Tipo… foi mal…

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Viagem boa é aquela que te transforma, que rouba um pedaço de ti. Com os companheiros certos, viajar fortalece laços. Sempre digo que compartilhar descobertas e enfrentar juntos os perrengues da estrada é fundamental para um relacionamento.

Por isso essa pequena grande aventura me convenceu: sabe aquela história de “outra metade”? Parece cantada barata, expressão de rima fácil para canção boba… até encontrares a tua.

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No meu caso, uma outra metade mais um. 🙂

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Carta de Intenções para um veraneio sem fim de 15 dias

Quero escutar somente reggae. Sempre tive inveja de surfista que vive de mar, e mar e praia combinam com reggae, por isso sempre resisti ao reggae. Pois nestes dias, decreto, que não toque outro ritmo nesta casa! Apenas reggae.

Reggae e o som das ondas, que atravessa duas quadras e meia até chegar na minha janela. Venha som das ondas, junte-se ao vocal do Bob Marley e desacelere a batida do meu coração! Tudo que quero escutar é reggae, ondas, e o coro dos sapos, que cantam nos bueiros a uma quadra daqui.

Aliás, se eu entendesse de música, comporia um reggae com os sons da praia: o apito do salva-vidas, as matracas e cornetas dos vendedores ambulantes, o plac-plac do jogo do frescobol, o canto das gaivotas.

Qualquer compromisso com a razão está adiado. Farei apenas o que a vontade mandar, se o corpo permitir, em acordo com a chuva e o Sol.

Ah, o Sol… Quero madrugar: às seis e meia estarei acordada. (Isso se o corpo deixar, pois o despertador será amordaçado nestes dias.) Madrugar não para pegar o Vila Jardim 430 rumo ao centro de Porto Alegre (hein?), mas para ver o Sol nascer como um Cebion num mergulho em reverse do azul do Oceano Atlântico para o azul do céu. Serei uma das poucas que acordaram para estar ali, porque para tantos outros o espetáculo do Sol nascente é a dose saideira da noite. Been there, done that. Meu longo dia de verão começa agora.

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Quando eu espiar na mala, que a minha maior dúvida seja se calço a chinelinha preta, a dourada, ou a preta com dourado. Aliás, sempre que possível andarei descalça.

Quando eu pisar na praia,  que o mar me derrube num abraço como quem revê a velha amiga depois de um longo tempo. Tu vês, eu e o mar temos um relacionamento de longa data… Fui feita no Rio de Janeiro, aprendi a engatinhar nas areias escaldantes de Copacabana. Amo o mar.

No metro e meio quadrado que tomarei como meu paraíso particular, vou me besuntar de bronzeador com fps negativo e me estender na canga bordada de areia. E virar croquete. Quero fechar os olhos e escutar o vento coçando o mar, causando aqueles arrepios no mar que a gente conhece como ondas.

Ah, as ondas… Quero apostar corridas até a água. Pularei sete ondas, e mais sete. E a cada mergulho afogarei raivas, resignações, energias ruins e ganharei poderes de Mulher Maravilha. Quero pegar jacarés do jeito que o pai me ensinou na minha infância carioca. Muitos! Ficarei com os joelhos e a barriga esfolados! E a cada jacaré terei a certeza de que aquela foi “a melhor de todas as ondas da minha vida”. Quero sentir o repuxo do mar num buraco onde não dou pé, quero que me falte fôlego, para depois ter a sensação de que me salvei. Quero sentir a queimadura de mãe d’água, para nunca mais ter que temê-la.

Quero salgar a alma, os ossos, os lábios, a pele.

Quero um cabelo impossível de desembaraçar, um quase-dreadlock.

Quero tirar fotografias mal-enquadradas, sem foco e sem filtro.

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Vou construir castelos de areia que uma onda atrevida ou uma criança alegre irão destruir. Vou catar conchinhas que dificilmente se transformarão em alguma imaginada peça de artesanato, assim como os palitos de paletas e picolés que virão para casa aos baldes.

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Quero milho cozido temperado com margarina, sal e grãos de areia. E jogar baralho e conversa fora e fazer do pessoal do guarda-Sol ao lado amigos eternos cujo nome ou rosto não lembrarei no momento em que sair da praia.

Notícias? Só quero saber de Macondo. Quero um affair de verão com Gabo. Quero sofrer do mal do esquecimento, que atingiu Macondo depois da praga da insônia, e só lembrar, talvez, do que não tem importância. (Aliás, nem lembro se o prefixo da linha Vila Jardim é 430, 433 ou 431.) Depois de me atualizar sobre as andanças de Arcádios e Aurelianos, vou “me enroscar como um gato no calor da tua axila”, como Gabo ensina, pois é hora da siesta, o que deveria ser lei em todas as estações, em todo o Universo.

Vou caminhar de mãos dadas pela praia no fim do dia e me encantar com a pescaria dos pássaros, que mais parece um tango bailado com as ondas.

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Vou admirar a absurda beleza da areia molhada espelhando aquele Gre-Nal que é o céu azul e avermelhado do anoitecer. Vou tentar fugir do mar… e deixar que ele me abrace mais uma vez. Mais um mergulho. E mais conchinhas. Vou resgatar algum peixe asfixiado pelo ar aqui de fora.

Quero achar que a vida pode ser mesmo um quase-milagre.

Farei uma prece para Jah, Iemanjá, Deus, Alá, Pachamama. Vou escutar reggae. Meu coração vai… de-sa-ce-le-rar.

Viverei quinze dias “de Itapuã”. Sem ontem, nem amanhã.

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Jamón del Medio

Tenho uma recordação bem particular daquele verão. É lembrança de um tombo em alguma esquina da Avenida Santa Fé, que eu levei enquanto caminhava, desatenta a todo o resto, admirando a arquitetura dos prédios que decoram os céus da capital argentina.

Era um fim de tarde, o começo do nosso passeio por Buenos Aires. Nosso primeiro destino foi a livraria El Ateneo, que funciona no antigo Teatro Grand Splendid. Lá onde antes havia assentos hoje há estantes de livros. O palco virou um café. Eu havia passado dias sonhando acordada em conhecer a El Ateneo!

El Ateneo

Gosto de cidades com rugas, de lugares que têm alguma história para contar. Nesse quesito Buenos Aires é um prato muito, muito farto – daí explica-se por que eu andava tropeçando pelas calles argentinas.

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Como em toda a cidade, em Buenos Aires há que se cumprir um roteiro obrigatório: Casa Rosada, Puerto Madero, La Boca, Recoleta, a Feria de San Telmo (onde me sinto como um pinto no lixo)… tortoni

É obrigatório comer churros no Café Tortoni!

No entanto, acho que para conhecer uma cidade é preciso experimentá-la como ela é no seu dia-a-dia.

Buenos Aires é linda e, como qualquer lugar deste mundão, fica ainda mais bela com a companhia certa. O que para mim significa ter alguma dose de “espírito aventureiro”.

Gringo descobriu que devíamos comprar um “Guía T” (“guia-te”, sacou?), um livrinho que tráz mapas das linhas de ônibus e de metrô. O guia de bolso colocou cidade na palma das nossas mãos, e assim nos sentimos quase porteños.

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Nos hospedamos no apartamento de Elisa y Carlos (alugado pela Internet) em Palermo, bairro onde morou Che Guevara e que ainda hoje é endereço de Charly García. (Sei disso não só por que havia lido em algum lugar, mas por que nosso anfitrião fez questão de nos mostrar onde mora o cantor. “Carlos”, aliás, virou apelido de todo argentino bacana que encontrávamos – como o motorista de ônibus que não nos deixou pagar passagem no dia de Natal.)

A região de Palermo é uma das mais transadas de Buenos Aires. Caminhando algumas quadras do ap chegávamos ao coração do Palermo Soho. Lá, nos fins de semana, praças como a Serrano são tomadas por feiras de artesanato; danceterias viram espaços coletivos para designers e estilistas. Uma moda que, dizem, surgiu com a recessão econômica de 2001, e que pegou.

A vizinhança era realmente um “problema”. As ruas (creio que seja assim por todo o país) são cheias de confeitarias com aquelas facturas e sandwiches de miga indecentemente exibidos nas vitrines. A-do-ro sandwich de miga, aquele de pão bem fininho, recheado com palmito, morrones, jamón, huevos duros… E na Argentina tem sandwich de miga triplo!

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A localização, perto de estações de metrô e pontos de ônibus, nos ajudou a planejar os passeios. Conhecemos áreas não tão charmosas da cidade nas nossas viagens em colectivos. Andamos na mais antiga linha de metrô da América do Sul, a linha A do subte.

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Comemos parrillada, milanesas, medialunas – e MUCHOS sandwiches de miga!

Ensinamos aos mozos (garçom, em espanhol) como é que a gente gosta de tomar cerveja: gelada, e não apenas “fría”. Foi engraçado ver a estranheza e até a inconveniência que causávamos ao pedir um balde de gelo para colocar a garrafa. Cerveza de litro, fría? Em pleno verão? Não dá, né?

A mais gelada que tomamos foi no El Querandí, onde assistimos a um show de tango. Mal sentamos à mesa e já fomos combinando com o mozo: guarda uma garrafa só pra gente, por favor, lá no fundo do freezer… ¿Vale? El Querandí fica no centro histórico da cidade, perto da Plaza de Mayo. O show é uma produção enxuta e tocante, que conta a história do tango desde o surgimento, no século XIX.

Mas para experimentar o verdadeiro tango fomos a uma milonga! É onde os argentinos e aprendizes estrangeiros se encontram simplesmente para bailar. O lema do La Viruta, que fica na região de Palermo, é “entrás caminando… salis bailando”. Sim, eles fazem tudo parecer tão fácil…

Atravessamos a cidade para visitar o Museo Argentino de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia, que tem um riquíssimo acervo de fósseis. E aí foi a vez do Gringo virar um pinto no lixo no meio dos dinossauros.

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E atravessamos (eu correndo) as largas avenidas…

Conversando com taxistas ouvimos um comentário que já entrou para a nossa história – “o Grêmio é mais famoso que o Inter”…  E descobrimos o que significa a expressão “jamón del medio”, que é como os hermanos chamam “a cereja do bolo”, o melhor de tudo.

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Descobrimos El Boliche de Roberto ao procurar por um lugar que ficasse fora do roteiro turístico tradicional. E acho que não há nada mais genuinamente argentino que o balcão de madeira onde, conta a lenda, se debruçava Carlos Gardel. lo

O boliche é pequeníssimo. Chegamos cedo e nos acomodamos no bar – bebendo de uma garrafa de cerveja fría que o barman/mozo/cozinheiro/caixa voltava a guardar na geladeira após cada servida, evitando que a coisa virasse um . O cardápio simples está num quadro de giz: empanadas e tábuas de frios. Para tomar, cerveja ou fernet.

Em minutos, a casa lotou: estudantes, boêmios, músicos, alguns turistas como nós. O show começaria em breve – e que show!

Num palco junto à janela, Maricruz canta acompanhada por dois violões. O tango tem essa coisa dramática, visceral, que a voz grave de Maricruz interpreta com perfeição.

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Depois da apresentação os músicos passam o chapéu: vale mais a pena do que qualquer pequena fortuna cobrada nas concorridas casas de espetáculo.

deA decoração já valeria a visita.

Sabe essa moda de decorar botecos com peças antigas? Pois é mais ou menos assim, só que lá o vintage, o antigo, é original. Assim como é verdadeira a poeira que cobre as garrafas acumuladas nas prateleiras que vão até o teto – aposto que ali tem poeira que entrou no boliche junto com Gardel.

Nessa viagem, “Lo de Roberto” foi o meu “jamón del medio”.

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Foi um esfoladinho bobo, achei que não ficaria cicatriz. Nem me preocupei em fazer um curativo decente – ah, eu tinha muito mais o que fazer naqueles dias! Olho para a pequena marca no meu joelho direito com carinho: ela virou minha passagem secreta para Buenos Aires.

PS: Para conhecer a Buenos Aires dos argentinos, visite o blog da jornalista Gisele Teixeira, que se encantó y por alla se quedó.